Como o amor termina

on terça-feira, 10 de junho de 2008
Começara a chover. Já os primeiros pingos gelados tocavam a face ruborizada de Deise. Ela olhava ainda sem entender para o rosto inexpressível de Marcos. Esse desviava a atenção dos olhos dela por diversas vezes, como se procurando algo para se entreter ou se já neles não achasse mais refugio. Ela fitava-o fixamente procurando encontrar nele alguém que já não estava mais ali. Algumas horas que antes pareciam ser segundos, agora se tornavam milênios. Ventava muito, mas o frio que ela sentia na alma não era proveniente do clima, mas sim da solidão que se apossava dela pouco a pouco como se tentando engoli-la. A chuva então aumentou, no qual Marcos se fez obrigado a quebrar aquele silencio mortal.
- Vamos procurar abrigo!! – Ao qual no sinal afirmativo dela, correram para baixo de uma lona de sorveteria. O que ela mais queria certamente era um abrigo, um abrigo para a dor que lhe esquartejava o coração. Ela olhou por alguns segundos, pessoas felizes lá dentro através do vidro, e desconcertadamente se obrigou a voltar a sua triste situação. Sentaram-se num corrimão, ela olhou para ele por alguns segundos em silêncio e depois de um tempo meditando indagou:
- Você vai mesmo me deixar?
- Desculpe…
- Teria coragem? Depois de tudo que passamos, de todas lutas e sonhos partilhados?
Ela ergueu o rosto olhando por um momento para o céu, quando ele percebeu que lágrimas brincavam de contornar seu rosto tristonho. Ela sentia uma dor na alma que ninguém poderia aplacar, talvez só o tempo, mas o tempo certamente atende pelo SUS.
- Você tem que continuar sua vida, Dê. Pessoas entram e saem de nossas vidas todo dia…
- Mas ninguém como você. – Ela interrompeu bruscamente, como se mostrando que tem sangue nas veias. - Você não foi um mero vendedor de enciclopédias ou um testemunha de Jeová que bateu em minha porta num domingo de manhã. E se foi, deixei-o entrar. Tu fizeste diferença na minha vidinha sem graça. Lembra de quando me conheceu no primeiro ano da escola? Quando olho pra dentro do meu peito, não consigo não ver você dentro de mim.
- Pois agora precisará se habituar a isso. Terei que ser tratado como um inquilino que não está em dia com suas dívidas que precisa ser posto pra fora, ou como uma sujeira que o organismo precisa expelir…
- Precisa falar assim? Não percebe que está brincando com o que sinto por você?
- Desculpa. Só pensei que…
- Certamente não em mim, ao brincar com coisas que levo tão a serio como nosso amor.
Ele nada falou. Talvez nada havia para ser dito. Estava feito. Ela também não disse mais nada. Apenas recordava os bons momentos até ali vividos. Lembrou de uma vez que ele surpreendeu-a em sua casa num dia que estava de cama com uns DVDS para assistirem juntos. E era sarampo. De quando racharam um algodão-doce na roda gigante. Da cola que fez ambos serem expulsos da aula no dia de prova, no qual dali foram ao mirante admirar o pôr-do-sol. Também do dia que lhe disse que não podia viver sem ela pela primeira vez. Pensando nisso recordou a primeira flor que recebera dele. Tantos momentos… Mas não restava alternativa. Era algo sem volta, deveria ser enfrentado de frente. Aparado no peito. Sem egoísmos do momento, apenas saber levar…
- Marcos… – Soluçou ela, com as palavras quase que ainda presas a sua garganta.
- Sim?
- Quanto tempo temos?
- Uns 6 meses. Talvez mais, talvez menos. Difícil dizer. – Resignou-se ele.
- Só isso? - Suspirou ela.
- Se tivermos sorte. O médico disse que por se tratar de uma doença degenerativa minhas faculdades mentais podem ir antes disso…
- E o que faremos?
- Seremos felizes nesse tempo. – Ele abraçou-a fortemente, ela olhou em seus olhos. Sorriu, por mais difícil que fosse. Sorriram. Ambos partilhavam a vida novamente, agora com mais intensidade, visto que o fim nem sempre é um desfecho.
- Venha, vamos!! Já parou de chover, e o sol brilha acima das nuvens escuras.

E foram felizes enquanto puderam…


Saul Junior

Não há mais flores

on domingo, 1 de junho de 2008
Os lírios se foram,
Em seus lugares ficaram apenas sementes,
sementes da saudade que você deixou
e o aroma da falta que me faz

Saul Junior