Todo escritor, por mais medíocre que seja, arruma uma fã
incondicional. Daquelas pentelhas que gostam de tudo que ele faz, mesmo sendo
um lixo literário, e que cobram por mais páginas de melação entre os
personagens bonitinhos e fazem o importante papel de promoter da obra. É algo para se ficar muito feliz quando você
encontra a sua, você sabe que seu trabalho não está sendo em vão, uma sensação
muito importante para sua sobrevivência na selva editorial dando-lhe um ânimo
para não desguarnecer sua esperança, nem dobrar seu sonho e colocá-lo no fundo
de sua maleta de trabalhador assalariado.
Porém eu queria comentar sobre uma fã que há muito sumiu de
minha vida, mas que apesar de pouco ter dito me incutiu uma dúvida profunda.
Ela entrou em meu blog de crônicas e disse com letras escolhidas como quem
prepara um feijão à mineira bem feito: “Quero casar com você”. Não entro em méritos se estava sob influência
de psicotrópicos ou mesmo se era uma solitária leitora presa por seu marido em
uma masmorra vestindo uma desconfortável calcinhola de ferro privada de
prazeres sexuais e cujos desejos proibidos se encontravam na internet cujos
orgasmos linguísticos lhe causavam um furor avassalador. O que me importa saber
não é a condição de desespero em que se encontrava, mas o motivo da entrega. O
que ela pode ter visto em mim que lhe fez entregar por alguns segundos a sua
alma em troca de um punhado de dizeres, sem sequer ter certeza se havia verdade
neles.
Pergunto-me quem será ela. Será que ela gosta de funk ou
música clássica? Prefere ler Saramago ou uma aventura do bruxinho Potter. Será
formada na faculdade ou cursou a vida? E a pergunta essencial retorna: Por que
raios quer casar comigo? Não me conhece direito, aliás, não conhece nada de
mim. Só minhas letras que saem de meus pensamentos coordenados como uma canção
moldada em um piano. Admito que gostaria muito de revê-la e perguntar o porquê
dessa entrega. Conjecturo que tenha sido apenas pelo simples fato de eu lhe
erguer a mão e conduzí-la por um mundo onde as decepções sempre são solvidas
por finais felizes e que a aventura do delito da infidelidade finda sempre com
a virada de página. Há segurança em meus lábios poéticos que atiram beijos no
escuro. Alguns acertam o alvo fulminando-os em paixões e delírios.
Para a Garota Apaixonada agradeço o pedido e
digo-lhe que o meu lado escritor é casado com cada pessoa que suspire pelas
minhas narrativas e que essa faceta é tarada por mentes férteis. Porém
aviso-lhe que meu lado normal, o baixote careca por trás do mágico, é bem
relacionado e com o coração devedor a uma única moça. Diferente do que possa
pensar esse lado dominante é carnal, passado e rabugento. Dou-me por sortudo
por minha mulher me suportar. E que no cotidiano não sou romântico, nem muito
douto das firulas verbais e que o que me chama a atenção em uma fêmea não são
seus olhos e dentes limpos e brancos como as histórias de amor costumam
descrever, mas sim ancas macias e seios fartos e um corpo curvilíneo como o que
encontrei na minha citada companheira real. Você se apaixonou pelo meu eu
contido, aquele que é criativo, mas que se limita pela sociedade julgadora que
avalia o que eu externalizo constantemente. E é por isso que fico satisfeito
que você tenha partido mesmo que levando as melhores recordações de um
sentimento platônico. Você se apaixonou pelo meu eu perfeito, enquanto que
optei por aquela que aceitou o meu eu mais sem graça, aquele que no bater de
capa de cada livro sobrevive intacto em defeitos e vícios e que ao final das
mais loucas histórias de tirar o fôlego está resfolegando como um pato com
asma, mas que ainda sim é o mais verdadeiro aspecto de mim. Você cansaria de
minha pessoa, mas quem eu amo creio jamais ser capaz de tal feito. Porque você
veio até mim pelas histórias que eu sei contar, a que ficou foi pelas histórias
que sei viver. Parece muito sem graça e de fato para quem não está aqui o é,
por isso que enfatizo que acertei na loto sem ter jogado, pois alguém me ama
livre das bonitas cores do papel celofane cuja visão primaveril embaçada
enxerga no apogeu da febre literária.